Parece que dentre o campo de afetos experimentados pelos sujeitos em nossa cultura, o medo tem certamente um lugar muito especial. O que condiciona a experiência afetiva do medo como a marca por excelência de nossa contemporaneidade?
O medo enquanto afeto humano tem uma importância fundamental em nossa vida, engatilhando respostas do organismo em termos do binômio luta ou fuga frente a perigos que envolvem riscos para a manutenção da integridade do sujeito. Se não tivéssemos medo este texto não teria sido escrito e muito menos lido. Eu e meu leitor com certeza já estaríamos mortos há muito tempo!
Assim, por exemplo, frente a um leão que se aproxima, toda uma ampla série de reações orgânicas tem início em resposta ao reconhecimento psíquico do perigo: pupilas se dilatam, aumento do tônus muscular, aumento da descarga de adrenalina, aumento dos batimentos cardíacos, dentre outros, no sentido de promover condições para a luta ou a fuga no intento de preservação de si e, biologicamente falando, da espécie. Ao conjunto das reações mencionadas nos referimos genericamente como estresse do organismo, que deve cessar em resposta ao desaparecimento do perigo reconhecido, trazendo as funções orgânicas ao seu ritmo anterior. Tudo estaria perfeito se as coisas se encaminhassem sempre dessa forma…
No entanto, no que tange a nós seres humanos, dotados de uma ampla história emocional, o medo em seu correlato de vivência de angústia responde a perigos não facilmente localizáveis, tais como a visão e reconhecimento do leão no exemplo anterior.
Nossa história emocional é constituída por uma imensa gama de vivências e experiências de lembranças articuladas em uma complexissíma trama de fantasias que passam a atravessar e constituir as relações que mantemos com nosso mundo interno e externo, unindo os objetos do mundo a todo um campo de significações internas ao sujeito.
Dessa forma os objetos do mundo podem ser inseridos em um campo inconsciente de fantasias que o investem de significação bastante diversa da que possuem na vida consciente do sujeito, de modo que podemos ter atitudes fóbicas frente a objetos que nossa consciência de outra forma desvalorizaria enquanto perigo. Isso acontece na medida em que nosso psiquismo inconsciente é uma teia de significações dinâmicas que pode transmitir aos objetos afetos referentes a outros lugares, por assim dizer, da história emocional do sujeito. Podemos assim acordar suando de angústia com a presença em nosso sonho de um inofensivo óculos de sol ou ter taquicardia quando a luz é apagada, ou acesa quem sabe…
Quem assistiu “Disque M para Matar”, de Alfred Hitchcock, percebe que os grandes diretores de cinema e autores da literatura se valem dessas propriedades do psiquismo humano quando conferem a qualquer objeto ou suposto pequeno detalhe um papel central na trama, um personagem; no caso do filme percebemos isso no movimento da câmera voltada a um simples telefone!
A relação com nosso Jurassic Park interno determina o campo de angústia que nos afeta. O psicanalista Jacques Lacan nos coloca que a angústia é um afeto de base, no sentido em que nela podem se transformar toda a gama de afetos que poderíamos ter sentido. Poderíamos…
A angústia se afigura assim como o afeto sentido pelo eu como um sinal de um perigo. Perigo que emana de uma certa relação neurótica com nossos fantasmas internos. Fantasmas que o eu é incapaz de fazer ceder em seus efeitos afetivos com argumentações a si mesmo em torno da bobagem de se sentir angústia frente a coisas tão supostamente bobas…
Angústia como alerta; antecipação sempre renovada de um perigo posto em objetos do mundo, ainda e sempre por vir. Fantasmas que nos habitam e não nos deixam dormir.
Sempre alertas, à espera de algo que pode voltar.
Voltamos nós, em outro momento!