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PSICOLOGIA ANALÍTICA

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Transferência

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Gostaria de versar sobre certos aspectos e decorrências que emergem a partir da dinâmica psicológica que o setting analítico propõe ao reunir analista e analisante frente as demandas do inconsciente deste último. À vista disso, trataremos inicialmente do conceito de transferência e contratransferência pela ótica junguiana, propondo um espaço de reflexão e manejo ao problema da transferência.

Segundo o pensamento de Carl G. Jung, o que é transferência?

 

Bom, segundo o pensamento de Jung, o que é transferência? A transferência é uma forma específica de projeção – a projeção, é uma atividade primária do psiquismo – portanto, a transferência é um processo psicológico que ocorre entre duas pessoas, há casos de exceção onde a transferência ocorre com um objeto físico. Ela emerge, portanto, em uma relação entre um sujeito e um objeto, sendo o objeto aquele que recebe o conteúdo transferência, que é um conteúdo subjetivo. Transferência vem do alemão Übertragung, grosso modo, significa transferir, levar uma coisa de um lugar para outro, uma transmissão, transferência, algo que é transportado. Quando comentei sobre ser uma forma específica de projeção, que advém de um processo primário, ou seja, da ordem do inconsciente, significa que a transferência, enquanto mecanismo do inconsciente não é um ato voluntário, e sim involuntário: ou seja, não intencional e inconsciente.

A pessoa que transfere o conteúdo pensa que este conteúdo é inerente ao objeto que ela transferiu, não vê o conteúdo de maneira subjetiva, como algo dela. E aqui o objetivo psicoterapêutico da transferência já está descrito em parte: “colocar” ou (re)transferir estes elementos projetados de volta para a própria psique do indivíduo, a isso Jung dá um nome alquímico, que é a dissolução, dissolver o ato da projeção, isso não significa que dissolvemos o conteúdo, visto que este conteúdo da transferência é de riquíssimo valor para a manutenção da regulação da psique do analisante. E conseguimos alcançar, conhecer, digamos, o umbigo/núcleo da transferência? Não é possível conhecer sua própria extensão, ou seja, mesmo quando pensamos estar conscientes da projeção, não conhecemos sua verdadeira extensão, há uma porção que permanece desconhecida, inconsciente, podendo aparecer como se fosse própria do objeto. É portanto um mecanismo que emerge de maneira automática e espontânea. Seguindo o título da live, por que comentei sobre os conteúdos emocionais? Este processo psicológico tem uma característica emocional, como Jung diz, uma natureza emocional, em certo grau a emoção pode ser devastadora para o sujeito, involuntária e que se adere ao ego: e é esse forte laço emocional que é difícil de ser desfeito, exercendo uma influência forçosa, compulsória ao sujeito. É, portanto, a emoção de um conteúdo projetado forma esta ligação, gerando uma espécie de relacionamento, isto é transferência. E aí que esse laço pode ser negativo ou positivo. Então, elementos do inconsciente providos de forte carga emocional, de certa quantidade, independente do conteúdo qualitativo, pode ser projetado, basta ser, digamos, ativado. E isso inclui também arquétipos que podem aparecer projetados, não somente material da vida pessoal, mas conteúdos coletivos, não apenas repetições do passado, da infância, do recalque/repressão, mas novos conteúdos, como diz Mario Jacoby, da psique criativa podem surgir e são vivenciados primeiramente nas projeções, processo interno de autorrealização que ocorre quando estes conteúdos uma vez para fora, são internalizados, situação complexa, difícil e delicada, mas que pode ser recompensadora.

E há algum valor nesse processo da transferência, mesmo que represente relacionamento aparente, em que não é enxergado ou melhor, diferenciado o “eu” do “outro”? Jung diz que a intensidade do relacionamento de transferência é equivalente à importância deste conteúdo ao sujeito, ou analisando. Ela carregará elementos que quando conscientizados, extraídos do objeto, serão de extrema importância para a saúde mental, regulação psíquica do analisando. O processo então de conscientização é mais caro que a própria transferência, pois quando este elemento retorna ao ego, o analisante fica em posse de um tesouro. A transferência pode emergir, como uma parcela do relacionamento psicológico entre analista e analisando, central para atividade terapêutica, então as camadas da transferência, e contratransferência, que vou tratar em breve, são essenciais para serem observadas, interpretadas, sentidas e se sentidas, identificadas. O fenômeno da transferência, portanto, pode dirigir o fracasso ou sucesso do tratamento. O auxílio de imagens, como Jung utilizou as da alquimia para retratar este fenômeno, podem ser de auxílio para compreender o que é este processo, a partir da premissa de que existem conteúdos inconscientes, e de que o analista está portanto, diante destes conteúdos numa tentativa de compreensão, acolhimento destes conteúdos, que podem estimular, sintomas, sofreres, conflitos, insatisfações, mas também, alívio, criatividade, potência, cura, estímulos, atividade, vida. Ocorrência natural em qualquer relacionamento, pode acontecer na terapia, não é regra, sobretudo, ela possui um propósito, qual seu significado? É o que Jung pesquisava em torno deste acontecimento.

Quais as causas deste processo psicológico?

 

E quais as causas deste processo psicológico? A transferência causa, portanto, uma relação aparente. E a falta de rapport, conexão, fazer contato, estabelecer harmonia entre terapeuta e analisando faz com que o inconsciente do analisando, para manter a relação, crie uma ponte compensatória a falta de relação, é aí que surge a transferência, podendo ocorrer com o analisante ou terapeuta. Então, não havendo pontos comum ou possibilidade de formar nenhum tipo de relacionamento, citando Jung, “um sentimento apaixonado ou fantasia erótica tenta preencher o vazio”. A força então, do método analítico reside no ponto mais fraco do método catártico, diz Jung, que é a relação entre terapeuta e analisante, o efeito terapêutico dependo do esforço do terapeuta de “penetrar a alma do analisando”, estabelecendo uma relação correta do ponto de vista psicológico, e a transferência é essa tentativa do analisando de estabelecer um rapport desse tipo, uma adaptação, ele precisa dessa relação para superar a dissociação, dissociação que ocorre devido a existência de complexos, que te-los é normal, mas se são incompatíveis, a parte da personalidade que é contrária à parte consciente se separa. Fissura que pode alcançar o orgânico.

Há certas premissas, que identifico, fazem parte dos procedimentos da psicoterapia: hipótese de conteúdos inconscientes, fora do alcance da consciência, o vínculo entre analista e analisando terá também, como foi falado, uma premissa fundamental, de respeito profundo à sua individualidade e necessidades, estabelecendo uma relação que Jung chama de interação dialética. O analista faz junto com o analisando, não para ele ou pelo analisando – é envolver compreendendo o sentido de suas feridas e buscar possibilidades de transformações, o analista acompanhará a trajetória do analisando acolhendo-o e ajudando-a a conhecer e reconhecer as facetas do ics e do mundo necessárias ao processo que tem como horizonte a individuação. O analista deve ter uma atitude responsável e comprometida, pois estará perante o outro e também com o mundo, sociedade e consigo mesmo.

Jung já expressa na obra “Prática da Psicoterapia” que sua contribuição ao conhecimento da alma se baseará em uma experiência prática com o homem, o que na clínica se refere justamente ao empenho do psicoterapeuta de compreender, isso em conjunto e atividade com o analisando, mas de então compreender os males, ou melhor, a demanda implícita, que estará no “não dito” do analisando, os motivos que o trouxe à consulta, isso, mais o apoio, interesse, curiosidade auxiliam a buscar nas demandas do inconsciente e da consciência um sentido não só ao sintoma e ao sofrer, mas auxilia a enriquecer, simbolicamente, a realidade que a pessoa enfrenta, auxilia a sustentar as adversidades da vida, justamente – se o sintoma está numa descompensação psíquica, ou melhor, se o sujeito está enfrentando um conflito daquilo contraditório. A terapia passa a ser uma possibilidade de integração dos opostos, que tem uma finalidade maior do que o sofrer, mas de dignidade aos desenvolvimentos individuais do analisando e compreender que o sofrimento existe, não é negá-lo e se libertar, mas sim acolhê-lo, dar legitimidade e vislumbrar suas potencialidades.

Como, na posição de analista, proceder ao problema da transferência e contratransferência?

 

E como, na posição de analista, proceder ao problema da transferência e contratransferência? Além deste procedimento dialético comentado acima, que é uma maneira de proceder frente ao problema da transferência e contratransferência, gostaria de tratar rapidamente do conceito de contratransferência. A contratransferência é um estado de projeção mútua na qual Jung chamou também como participação. Então, mesmo que o analista esteja conscientemente desligado dos conteúdos emocionais, dos complexos, a emoção pode exercer seu efeito independente disso, toca em alguma parte, algum ponto cego que o terapeuta tem em relação a si mesmo, principalmente se no ics de ambos houver alguma semelhança: importante aqui é ter consciência de que foi afetado, algo tocou num complexo, isso é tão sutil, e somente a experiência, a prática clínica vai auxiliando a lidar com isso. Então surge a questão colocada: Como, na posição de analista, proceder a este problema? Primeira coisa já comentada, ter consciência da fato de estar afetado pelo conteúdo emocional do analisante, pois se não levar em conta que se afeta, você será levado a por esse fator emocional, cito Jung na quinta conferência: “meus pacientes sentam-se à minha frente e converso com eles como um ser humano conversa com outro, de maneira natural; exponho-me totalmente e reajo sem restrições”. Segundo, e mais importante, como somos humanos, possuímos pontos cegos enquanto psicoterapeutas, e aí a urgência e necessidade dos terapeutas fazerem análise, consequentemente supervisão, este é um dos manejos essenciais para lidar com o problema da transferência e contratransferência, assim como atuar de maneira dialética, afastando o juízo de valor e julgamento, não se colocando nem superior ou inferior a ele, e aí a crítica do jung contra métodos exclusivamente técnicos, em igualdade, servindo como um eco do analisante, acolhendo-o. Pois se o analista não se mantiver objetivamente em contato com seu inconsciente, não há garantias de que o analista caia no inconsciente do analista. O analista, portando deve se manter objetivamente em contato com seu inconsciente, realizando análise pessoal e supervisão de seus casos com outro profissional. Possuímos pontos fracos e vulneráveis. Há também aquilo que Jung chama de terapia da transferência, apresentado na quinta conf. dos fundamentos e também no livro ab-reação, análise dos sonhos e transferências, aquilo que ele chama de “terapia da transferência”, cujo pontos comentarei na próxima live. Grosso modo, é fazer com que o analisante apreenda o valor subjetivo dos conteúdos pessoais e impessoais da projeção, o conteúdo impessoal é este de ordem arquetípica, e procurar este valor subjetivo é ver como essas, digamos, imagens, criam empecilhos à vida do analisante, e que isto faz parte de si, de sua própria psicologia, aí entra as questões positivas e negativas projetadas no outro que podem dizer respeito de si mesmo, fazer com que o analisante, tome responsabilidade pelo seu ser, bons e maus aspectos, projeção de imagens pessoais discriminadas dos conteúdos impessoais para posteriormente diferenciar o relacionamento pessoal com o analista dos fatores impessoais.

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O sucesso da clínica depende do emergir da transferência? Uma abertura ao humano no pensamento crítico junguiano

 

O sucesso da clínica depende do emergir da transferência? Uma abertura ao humano no pensamento crítico junguiano. Não depende, pois é a relação verdadeira, humana, não aparente e não- projetiva que traz benefícios curativos ao analisante. Claro que, se a transferência emergir, o sucesso dependerá de dissolução destas projeções, o que chamamos de terapia da transferência. A terapia da transferência, maneira de lidar com esse problema, é dissolvendo o ato de projetar para se alcançar uma conscienciosidade deste conteúdo no analisante, para que assim ele consiga distinguir si mesmo do outro, do analista, e se relacionar com ele de maneira humana, comprometida e responsável. Para isso o analista terá que se atentar às características impessoais e arquetípicas que podem estar balizando a relação, por mais humana que ela se aparente, para que assim o analisante relacione consigo mesmo com estas imagens e seu sentido simbólico, e não com o outro, é estar em posse de um tesouro, viver a própria vida.

Mesmo que a transferência possa ser inevitável e característica de uma análise que se aprofunda, como Jung trata, o sucesso da análise depende de uma exigência que ultrapassa mesmo a transferência e que, se trata de uma demanda anterior à transferência, que, e aqui se concentra uma crítica de Jung tanto a psicanálise, quanto ao tratamento médico de sua época: esta demanda é a da relação humana com o analisante, uma relação que humaniza, emancipa, veja o indivíduo para além da patologia. Esta exigência, cito jung “do paciente de relacionar-se com um ser humano”, em respeito a posição individual, é essa relação de pessoa a pessoa que é a pedra de toque de toda análise, compromisso oposto aos grilhões da transferência, relação aparente. A psicoterapia se torna um espaço em que o analisante ensaia seus primeiros passos em vista de uma vida plena de sentido, com seu próprio valor e individualidade única, capaz de se adaptar ao externo e também, seu interior. Assim, a influência e sucesso da clínica depende mais da postura pessoal do analista, “cercar de cuidados e alimentar o broto que quer crescer até tornar-se finalmente capaz de desempenhar o seu papel dentro da totalidade da alma” do que o emergir transferência. O que pretendo dizer é: há uma meta além e por trás do acontecimento transferencial, e é para este objetivo que pretendemos, enquanto terapeutas, prosperar.

Fonte:

Quinta Conferência, Os fundamentos da psicologia analítica. C. G. Jung.

Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. C. G. Jung.

Assista nosso vídeo sobre o assunto:

Helena Zoneti Rodrigues

Helena Zoneti Rodrigues

Bacharel em Filosofia pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), mestranda no Programa de Pós-graduação em Filosofia (PPGFil-UFSCar) e formada em Psicologia Analítica Junguiana no Instituto Távola em 2019. Atuou na área de pesquisa e divulgação na Fundação Pró-Memória de São Carlos em 2019. Em 2020 foi bolsista PROEX-UFSCar. Foi pesquisadora na área da Filosofia da Psicanálise, monitora acadêmica e participou do grupo de estudos em filosofia da psicanálise (DFil-UFSCar).

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